18/07/2011 - TJPR - Município é condenado a indenizar a dona de uma casa danificada por obras da Prefeitura. Leia Mais!!!
A 3.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná manteve, por unanimidade de votos, a sentença do juiz da 1.ª Vara Cível da Comarca de Paranaguá, Hélio Tsutomi Arabori, que condenou o Município de Paranaguá a indenizar, por danos materiais, a proprietária de uma casa que precisa ser demolida porque foi danificada em razão de obras realizadas pela Prefeitura para desviar o curso do Rio Perene. O imóvel sofreu abalos estruturais devido à infiltração da água no solo. O Município também deverá restituir à proprietária do imóvel os valores dos aluguéis que ela pagou durante o período em que teve que viver fora de sua casa.
O recurso de apelação
O Município de Paranaguá interpôs recurso de apelação sustentando, preliminarmente, a nulidade do processo em razão da ocorrência de cerceamento de defesa devido à ausência de intimação válida dos representantes municipais quanto à realização da perícia no imóvel da apelada. Apontou a nulidade da referida perícia e afirmou ser ela inapta a embasar a sentença condenatória.
Alegou também que a sentença é nula porque a lide foi julgada antecipadamente, sem que todas as questões fáticas estivessem esclarecidas. Afirmou que a prolação de decisão líquida, tal como no caso, comprova a necessidade da dilação probatória, pois, se todas as circunstâncias tivessem sido elucidadas a sentença não precisaria de posterior liquidação.
Apontou ainda a carência de ação da autora, em primeiro lugar pelo reconhecimento de sua ilegitimidade ad causam, por ter ficado provado que os abalos estruturais ocorridos no imóvel da apelada foram causados por obra realizada pelo vizinho do lote dos fundos, ou seja, um particular, e não pela Prefeitura. Em segundo lugar, pelo reconhecimento da ausência de interesse de agir por parte da autora, pois não conseguiu trazer aos autos nenhuma prova cabal de suas alegações.
Quanto ao mérito, alegou não terem sido preenchidos os requisitos para sua responsabilização objetiva, visto que não há nexo causal entre a ação da Administração Pública, consistente em pequena obra de manilhamento do rio, e os abalos estruturais ocorridos no imóvel da apelada. Isso porque a causa dos desmoronamentos foi o fato de ter a autora construído em área de fundo de vale, sem licença da Prefeitura e sem acompanhamento de profissional habilitado. Asseverou também que não ficou devidamente provada a extensão dos danos materiais suportados pela apelada, não se prestando a tal prova os recibos de aluguel juntados aos autos. Por fim, impugnou o valor da indenização proposto pela autora, considerando-o descabido.
O voto do relator
O relator do recurso de apelação, juiz substituto em 2.º grau Fernando Antonio Prazeres, antes de examinar o mérito, consignou: “Inicialmente cumpre afastar a preliminar de nulidade do processo por cerceamento de defesa em razão da ausência de intimação válida dos representantes municipais a respeito da realização da perícia no imóvel da autora”.
“O apelante insurge-se quanto ao fato de a carta de comunicação da realização da perícia enviada pelo perito ter sido recebida por pessoa diversa da então procuradora do Município de Paranaguá. Aduz que a comunicação deveria ter sido feita na pessoa do Procurador ou do Prefeito Municipal. Contudo, a Fazenda Pública somente é beneficiada pela intimação pessoal dos atos processuais nos casos de execução fiscal, nos termos na Lei 6.830/80”, asseverou o relator.
“Não há necessidade de a Fazenda Municipal ser intimada pessoalmente nas ações de indenização, inexistindo disposição legal neste sentido. Tampouco decorre tal necessidade do art. 12, do CPC, visto que a norma ali insert a diz respeito à legitimação para representar as pessoas jurídicas de direito público.”
“Assim, viu-se plenamente atendido o disposto no art. 431-A, do CPC, uma vez que a carta enviada pelo perito foi corretamente endereçada à Procuradoria Geral do Município, na figura da então Procuradora do Município, Dra. Amanda dos Santos Domareski, conforme consta do aviso de recebimento de fl. 125, sendo desnecessária a comunicação pessoal. Assim, não há que se falar em nulidade da perícia realizada, visto que nenhum vício foi constatado na realização da referida prova.”
“Da mesma forma, não há razão na insurgência do apelante no que concerne ao julgamento antecipado da lide. O fato de ser a sentença ilíquida não significa que a análise das provas foi deficiente, ou que seria necessária a produção de outras provas a fim de possibilitar uma valoração precisa dos danos sofridos. Isso porque a avaliação do imóvel da autora, condenado quanto à possibilidade de ser habitado, não é questão de prova, mas, sim, de liquidação de sentença, o que pode ser realizada nos termos do art. 475-A e seguintes, do CPC. Ademais, nem sempre é possível ao julgador precisar os valores a serem pagos em eventual condenação. É por tal razão que o próprio Código de Processo Civil possui capítulo que disciplina a liquidação da sentença (Cap. IX, Título VIII, CPC).”, ponderou o juiz relator.
“Quanto à alegação de ser o apelante parte ilegítima no processo, também não merece prosperar. Ocorre que o Município afirma ter restado comprovado que os danos estruturais no imóvel da autora foram causados por obra de particular, um vizinho do lote dos fundos. Contudo, a prova pericial é conclusiva ao apontar como causa dos abalos a obra de desvio do curso do Rio Perene, sem o devido manilhamento prévio, realizada pela Prefeitura de Paranaguá. Assim, não há como negar a legitimidade do Município de Paranaguá para figurar como parte no presente processo.”
“Da mesma forma, não se vislumbra carência de ação por falta de interesse de agir da parte apelada, visto que a via processual é a única que pode atender sua pretensão de ver ressarcidos os prejuízos sofridos em decorrência da obra municipal, sobretudo diante da negativa da parte ré em reconhecer o direito da autora.”
Quanto ao mérito, entendeu o juiz relator que a sentença também não merece reforma. “Isso porque, ao contrário do alegado pelo apelante, ficou cabalmente delineado o nexo causal entre a conduta da Administração Pública, consistente na realização da obra de desvio do curso do Rio Perene e o dano sofrido pela autora em seu imóvel.”
“A perícia realizada pelo Sr. Perito é conclusiva no sentido de que a razão dos abalos estruturais na residência da autora foram as obras realizadas pela Prefeitura de Paranaguá, obras estas confirmadas pelo apelante.”
“Em resposta a um dos quesitos apresentados, o Sr. Perito informa: ‘A falta de manilhamento quando do desvio do Rio Perene, do seu leito natural, provocou o recalque diferencial de fundação, que prejudicou as edificações da Requerente.’ (fl. 96).”
“Mais além o profissional relata: ‘As edificações foram construídas dentro do lote de propriedade da Requerente. Houve mudança do leito do Rio Perene, por obras da Prefeitura Municipal de Paranaguá, trazendo o Rio Perene para bem próximo da divisa no fundo do lote da requerente, sem manilhamento, ocorrendo o recalque diferencial da fundação. Posteriormente a Prefeitura providenciou o manilhamento do Rio Perene, porém as edificações já tinham sido atingidas pelo recalque diferencial de fundação.’ (fl. 98).”
“Cabalmente comprovada, portanto, por meio de prova pericial, a alegação da parte apelada, restando induvidoso o dever de indenizar do apelante.”
“Ademais, este não se desincumbiu de desconstituir as alegações trazidas pela autora, conforme preceitua o art. 333, II, do CPC. Isso porque o direito da apelada estava devidamente embasado pela perícia produzida na Ação de Produção Antecipada de Provas (autos em apenso), a qual foi apresentada junto à inicial. Cabia, pois, ao réu, provar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito da autora, o que não ocorreu no caso.”
“Apesar de alegar que fora a autora a responsável por seu próprio infortúnio ao construir sua casa em área inadequada, não houve prova cabal de que a referida área se tratava de fundo de vale, ou seja, local inapropriado para receber edificações.”
“Além disso, o próprio apelante concordou que realizou a instalação de manilhas no local, revelando a existência das obras apontadas pela apelada. Porém, não demonstrou que tais obras se prestavam a conter a água das chuvas que correriam para o suposto fundo de vale.”
“Desta forma, escorreita a sentença proferida, pois bem sopesou as circunstâncias dos autos”, finalizou o relator.
Participaram da sessão de julgamento os desembargadores Dimas Ortêncio de Mello (presidente com voto) e Paulo Roberto Vasconcelos. Ambos acompanharam o voto do relator.
(Apelação Cível n.º 777483-2)
Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná